Por vezes perdemo-nos na imensidão incontornável da nossa própria mente. Por vezes perdemo-nos na racionalidade inebriante que ela precipita, como água numa chaleira, para o copo da realidade. Por vezes perdemo-nos no fogo ardente de um coração rasgado, no doce articulado de um poema que não sabemos escutar.
Por vezes perdemo-nos no tempo. Simplesmente perdemo-nos. Por vezes a razão rouba-nos esse tempo. Por vezes a razão rouba-nos esse poema declamado pelo coração.
Ela, a mente, ela, a razão, que nos fazem esconder. Escondermo-nos. Escondemos o tempo, escondemos as palavras, escondemos os sentimentos, escondemos os medos, escondemos os demónios. Do mundo, dos outros, de nós.
Mas eles estão lá. E nós escondemo-nos. Escondemos o olhar, escondemos o som, escondemos a imagem, escondemos a voz. Lá dentro. Algures.
Fugimos, quando colidimos com a parede, assustadora, desse pano que nos envolve e consome. Queremos gritar, mas a boca é muda, queremos correr, mas as pernas não respondem. Resta-nos fechar os olhos com força e esperar que, ao conter esse monstro dentro de nós, pudéssemos impedi-lo de se materializar.
Cada momento que o fazemos, perdemos um pouco de nós, transformamo-nos lentamente nesse fluído corrosivo, que nos corrompe, que nos reduz, que nos esmaga o coração.
Perdidos no remoínho atraiçoador da mente, não vemos, não sentimos, não escutamos a resposta, o caminho, o trilho iluminado e esperançoso que nos acudiria. Infligimos os nossos próprios curativos, procuramos as nossas próprias respostas, nas coisas, nos outros, no mundo, no universo, no tempo. Em tudo menos em nós.
E em nós reside a resposta. Em nós residem as sementes fascinantes dessa reviravolta. Quantos quilómetros teremos percorrido, quantas horas terão passado, quantas golfadas de ar nos terão devolvido o fôlego? Até que, de mente e coração abertos, sintamos o calor e a luz que nos concebe.
Até que, em paz, consigamos mergulhar nas águas exasperantes do medo – não sugá-las ou contorná-las – mas sim apertá-las, confrontá-las, dissecá-las, talvez sermos chicoteados pelas garras amargas, dolorosas e cortantes da verdade... Até que, num grito final estridente e lancinante, purgamos esse veneno do nosso ser – e quem sabe, da nossa essência.
Para ser... para estar...
Para construir, com o coração afagado pelas pétalas desse sorriso terno e imanente, as lágrimas renovadoras da alma, como um rebento primaveril que brota da terra.
E nesse nosso jardim florido, encontrarmo-nos...
Para ser...